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sábado, 28 de agosto de 2010


18h20. Eu, a Rio Grande do Norte e quinze trabalhadores com menos três reais e cinquenta e cinco centavos.O motorista sorri, a trocadora, não muito: um passageiro freqüente passa pela catraca e elogia seu cabelo novo, mudando a face da moça para satisfação completa, mesmo na hora do rush após um dia inteiro de trabalho.Ainda peguei bons resquícios de seu sorriso quando lhe entreguei o dinheiro.Devolvia-me o troco enquanto curtia o investimento com a outra mão.Brilhante, sedoso, linda.


A moça loura de cabelo amarrado debruçava-se no corredor para conversar com o amigo de bairro.Fazia tanto tempo que não se viam.Era a correria, muito trabalho em Belo Horizonte. A moça vivia um romance com sua carreira que certamente ia crescer, o moço, casado, pai de Valentina, de quem falava com o maior orgulho. Ambos tenros, esperançosos quanto ao futuro.É muito bom encontrar um velho amigo assim, né Jorge, no ônibus.Nem vemos o tempo passar.

Lá na frente, uma moça lia, concentrada. Forcei um pouco a vista e logo reconheci o livro: Cem Anos de Solidão.A capa azul petróleo, igual a do meu exemplar.Observei-a mais um pouco – limpava as lágrimas dos olhos, suspiro profundo.Aposto que estava na parte em que Marquez descreve a ascensão da moça-personagem aos céus. A moça-real-personagem, flutuando no banco do ônibus.E também eu.

Logo no banco de trás, uma conversa sobre o tempo. Tá seco demais, Bete,e passando tão rápido.Parece que foi ontem que entrei na copiadora, vinte anos já.Emprego seguro, né, garantia.Com ele que criei meus filhos, Paulinho já ta arranjando serviço, tem maior jeito pra carro.Tá lá na oficina do Osmar.

Ao meu lado, um homem grisalho olhava fotos de um bebê em seu celular. A pequenina sentada, deitada, com um laço de bolinhas, sorrindo para o senhor encantado que também sorria para ela, através do cristal líquido refletor de uma novidade amável.

E eu, que sempre fui de procurar o sentido da vida, percebi que ela estava ali, em pleno 3938 sentido Pasárgada, dançando singelamente na boca e nos olhos dos outros.
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Reflexões sociológicas intinerantes...

segunda-feira, 23 de agosto de 2010


ficou grande mas ficou divertido... e é um texto que dá pra ler parcelado... Pode parar se der preguiça...

É legal pensar em como um ônibus funciona... Pensa bem: Se fosse aberto um debate entre as pessoas que estivessem dentro de um ônibus... Provavelmente ia ser um quebra-pau, mas um quebra-pau feio feio... Iam ser milhões de opiniões porque existem pessoas de todos os tipos num ônibus. Até uns ricos que, têm carro, mas preferem deixá-lo na garagem para contribuir com o meio-ambiente. Mas não importa quais pessoas entrem num ônibus. Ele não mudaria, de maneira alguma, o intinerário dele... A única opinião que importa de fato é a do motorista...

Essa forçassão de opinião se aplica nas regras do ônibus em geral... Pensa naquela frase de "não fale com o motorista". Se você for um bom frequentador de ônibus, como eu, saberá que o excerto nessecita de uma complementação: "dependendo do motorista..." Tem aqueles que não param de falar a viagem toda! É o homem do volante que tem o controle! Não só do ônibus, mas de tudo! Quem deixa os 'vendedores-evangélicos-de-pincel-de-duas-pontas' entrarem? Ou os 'vendedores-de-bala-mentos-chiclete-pastilha-de-hortelã'? É... Dá pra ver que, no ônibus, Estamos em um regime totalitário... Guiado pelo guia...

Mas não é só o chauffeur que manda nessas regras... Quem é que faz o social com os ônibus vizinhos, gritando e berrando o tempo todo? Quem é que pede pro 'hitler-wannabe' uma 'moral' pra parar um pouquinho antes do ponto para aquele passageiro? Quem é que detém todo o conhecimento de intinerário, ruas, bairros, lojas e bancas de jornal para dar 'aquela' parada rápida? Já deu pra ver, também... Que pelo menos não estamos em um regime monocrático... Mas em um evidente regime MotoTrocadorista.

Um exemplo da influência da bicracia nas regras de etiqueta: Eu estava em um ônibus outro dia, quando um pré-adolescente, lá pelos seus 12 anos, (sim, leitores de 12 anos, eu acho todos vocês uns pré-adolescentes) ligou um som, um pouco alto, de músicas do estilo de racionais. Todos olhavam meio torto pro menino... Mas ninguém falou nada. Eu nem liguei muito, porque já desceria logo no próximo ponto. Mas reparei em algo muito engraçado... Os passageiros meio que olhavam para o trocador, com cara de quem pede alguma providência. Mas o outro nem percebeu... estava lá, absorto, balançando a com o ritmo constante da música. Até repetia uns trechinhos (algo como "em terra de abelha, formiga come sal...") e tudo mais. Quer dizer...Um controle claro das regras de etiqueta, exercido pelo segundo homem do Regime fechado de governo ambulante.

Mudando um pouco de assunto... tem gente que fala que as pessoas de um ônibus tem uma certa identidade, porque têm um destino único. Disso eu discordo, mas eu discordo mesmo, veementemente... Os passageiros não têm um destino único... Mas um caminho único. E nem é tão único assim. Na maioria das vezes, inclusive, é um caminho que 'quebra um galho'... Tem gente que anda 20 minutos até o ponto pra pegar o ônibus e mais 20, depois de descer dele.

Mas esse é um erro muito comum e facilmente explicável... O que acontece, na verdade, é uma identidade nos pontos de ônibus. Porque o determinismo até que funciona um pouquinho... Todo homem é, em parte, um fruto do meio. Pessoas que moram mais próximas, têm paisagens diárias parecidas, situação financeira parecida, podem frequentar a mesma igreja, se forem da mesma religião, enfim. Observa-se uma identidade clara nas pessoas que sobem pela escadinha da frente em uma mesma parada. Nada mais natural...

O que eu adoro ver, falando nisso, são os pontos que 'bombam'... As vezes sobem até 10 pessoas, todas com roupas de um estilo meio parecido, falam com um volume parecido no celular, tentam (ou não) passar as crianças (de 7 anos) pela roleta de um mesmo jeito... Muito engraçado... Tem também os horários! Nossa! Se você tem a vantagem que eu tenho de pegar um mesmo ônibus, mas em horários diferentes durante a semana, vai ver uma coisa muito divertida. As pessoas são outras! O jeito delas é outro, o ar do ônibus é diferente... Sabe aquelas coisinhas que cada um tem e que nem uma ditadura ferrenha Moto-trocadorista poderia segurar? pois é... Elas mudam a cara interna do ônibus. Até a paisagem passa mais rápido ou devagar dependendo do trânsito, os pontos requisitados são outros, enfim... É outra viagem.

Mas o melhor eu deixei pro final... É como um ônibus NÃO É um lugar de socialização. Em primeiro lugar: Alguém, quando entra num ônibus, APENAS EM ÚLTIMO CASO, se senta ao lado de outra pessoa naquelas cadeiras geminadas. É muito divertido... Eu fico me lembrando dos eletrons nos orbitais (será que é isso mesmo?)... Que só entra a setinha pra baixo, depois que todos os quadradinhos têm uma setinha pra cima lá dentro... A teoria devia se chamar "teoria dos estranhos no ônibus" ou, se fosse feita por um marroquino, seria chamada de "Socorram-me! Subi no ônibus com estranhos.".

Em segundo lugar: Quando você, meu leitor homem, se senta ao lado de uma mulher... Ela vira a cara como se você fosse o maníaco do parque... Qualquer coisa não é manifestável dentro de um ônibus... A não ser que você seja um 'taradão' sem noção nenhuma. Eu estava em um busu, há um bom tempo... Lá na cadeirinha do meio, no fundo, quando um casal de adolescentes (14-17 anos, essa informação foi para os leitores de 12, anciosos para deixar a pré-adolescência, na minha escala...), do meu lado direito, começou a dar uns beijinhos... Eu escutei, bem baixinho, no outro lado, uma moça falando pra amiga "nossa... Que desesperados... Beijando num ônibus!" E as duas soltam um riso escondido... Enfim. Quase uma igreja... Ou uma sociedade, daquelas travadonas, controladas pelo coronelismo Moto-trocadorista.

P.S.: Desculpa a falta nos textos... tentei me redimir pegando 2 outros temas que não havia escrito e colocado junto...
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Uma questão de prioridades

domingo, 22 de agosto de 2010


Nesse dia, um dia qualquer, mais uma sexta-feira das tantas semanas de um ano, Otávio morreu. Otávio era o patriarca de uma família que, agora desnorteada e sem renda, não sabe como prosseguir. Nesse mesmo dia, cortaram a água de D. Luzia, que trabalha de lavadeira e agora chora desesperada por não ter como pagar a conta, e nem conseguir continuar seu trabalho. Ainda nessa sexta feira, Mariana, de 13 anos, moradora de uma comunidade pobre, sofreu um aborto espontâneo na sala de sua casa, com seus irmãos pequenos assistindo. Sexta-feira, e o pai do Joca foi atropelado na frente do prédio dele, por um motorista que dirigia embriagado. Fabiana apanhava de seu marido munido com uma garrafa, enquanto se curvava para tentar proteger o pequeno João. Fred, de dez anos, era punido na fábrica onde trabalhava, por ter tentado roubar um doce. Iara foi assaltada nesse dia, e por não ter querido passar a carteira inteira ao bandido, levou um corte profundo no abdome,que a fazia agonizar encostada à uma esquina.

Mas sabe, todas essas cenas do cotidiano.. Todas elas foram ofuscadas. Porque essa sexta-feira foi o dia em que o Brasil derrotou a Alemanha e levou o pentacampeonato para casa. As ruas estão em festa. O país comemora, o brasileiro brada o orgulho de sua nação. Quem se importa com aquela outra bobagenzinha que aconteceu? Somos o país do futebol!
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Oftamologista.

sexta-feira, 20 de agosto de 2010



Vieram ao mundo do mesmo jeito, têm a mesma informação genética elementar, as mesmas necessidades básicas,os mesmos órgãos, as mesmas mãos aflitas, o mesmo coração por vezes sozinho, as mesmas expressões faciais de angústia, os mesmos ossos.Precisam da mesma água, do mesmo sol, do mesmo apoio, da mesma comida.Precisam  se expressarem, sentirem-se existentes, de sentimentos,de algo além, de aprovação, de família, de sangue, de suor, de vida.
Mas, por algum motivo, só o que vemos de comum entre elas é que todo dia elas fazem tudo sempre igual.
Não há vários sangues.Não há vários amores.Não há vários deuses.
A única coisa que muda mesmo, entre essas e outras mulheres, são os olhos.


Toda diferença precisa ser escolha.
Todo governo precisa se conectar ao povo.
Todas as pessoas precisam se enxergar por dentro.
Toda generalização precisa de ressalvas.
Toda criatura precisa da ajuda dos outros.
E toda cultura precisa de um par de óculos.
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Frustração

terça-feira, 17 de agosto de 2010


Você chega em casa depois de um dia difícil, tudo que precisa é uma boa música. Liga o computador, coloca todas as músicas no modo aleatório. Começa a tocar a primeira: a intrudução instrumental remete uma importante época da sua vida. (Dependendo do nível da sensibilidade, ou do grau de TPM, lágrimas podem umidecer os olhos). A parte introdutória está terminando, seus pulmões estão cheios, os músculos faciais tensionados: todo o corpo está preparado para começar a cantar com toda a emoção dos velhos tempos. Uma voz começa a exibir a letra, a batida muda radicalmente e você se dá conta de que a música marcante e significativa, na verdade, é um REMIX DO CAPETA que enterra toda a liricidade da original.
A fúria e a frustração dominam seu humor e você começa a lembrar da sua irmã falando sobre aquela inútil etapa no processo de baixar músicas da internet “antes de completar o download você clica aqui para ouvir a música e ver se é a que você quer”.
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A caixa, eu e mais um personagem

segunda-feira, 16 de agosto de 2010


...
Desvencilhei-me de minha mãe com certa graciosidade, enquanto exibia um sorriso envergonhado e murmurava:
- Eu sei, mamãe. Mudanças são difíceis para todos nós, e eu assumo isso. Tanto assumo que digo à senhora que, bem no fundo, ainda quero dar meu adeus particular a essa casa, que foi palco de tantas outras mudanças em minha vida...
Minha mãe me lançou um olhar de ternura e se afastou aos poucos, balançando a cabeça grisalha em um gesto de compreensão. Mal me certifiquei da saída dela e voltei aos tropeços para o quarto, tomada pela curiosidade doentia.

Cheguei ao closet e a caixa ainda jazia ao chão, lacrada. Abaixei-me sem classe nenhuma, na avidez de descobrir qualquer outra coisa a respeito desse objeto que foi deixado para trás, enquanto tanta mobília fútil esperava por nós no caminhão de mudança. Minha mãe claramente queria se desfazer dele, e em meu íntimo a pergunta "POR QUÊ?" não parava de ressoar.

Sacudi a caixa mais uma vez, mesmo sabendo que os cadeados não se abririam com esse gesto e eu só veria pó, mais uma vez. Para a minha total surpresa, dois segundos depois, vi algo além de cinzas. Através da poeira fina que embaçava o ar, vi a silhueta de minha mãe se projetar no closet.

Ela se aproximou de mim com as mãos erguidas, esperando que eu devolvesse a ela o que a pertencia. Não tinha ideia de minhas feições nesse momento, mas tenho quase certeza que elas mostravam nada além do puro espanto. Eu seria repreendida por estar mexendo no que não era meu? Trairia a confiança de minha mãe ao querer resgatar um passado propositalmente abafado por ela? Ou será que ela me contaria a chave de todo esse mistério? Foram segundos de tensão, isso eu posso contar.

Coloquei a caixa pesada em seus braços frágeis, com muito cuidado. Minha mãe me direcionava um sorriso de afeição misturada à preocupação, e eu soube por seu olhar que ela me contaria, a contragosto, o que tudo aquilo significava. Pude murmurar apenas uma palavra:
- Mãe??....

Minha mãe colocou a caixa com dificuldade em uma prateleira mais baixa do closet, onde ela ficou com metade de seu comprimento para fora por ter sido mal posicionada. Não me importei, pois logo depois disso mamãe segurou minha mão direita, atraindo minha atenção. Enquanto a segurava com firmeza, me lançou um olhar duro que era totalmente dissolvido pelo sorriso terno em seus lábios.
- Lara, querida. Nunca quis te envolver nessa história. Saiba disso. Saiba também que eu sei que você é mais do que crescida para saber de qualquer coisa que tenha acontecido, só que meu frágil coração nunca foi capaz de suportar a dor de te ver sofrer o mesmo tanto que eu sofri àquela época. Acho que eu não conseguiria partir desse lugar sem te contar o mistério que rondou essa casa por tanto tempo, então de certa forma agradeço por essa oportunidade, e peço desculpas por ter demorado a tomar coragem para fazê-lo.

Franzi o cenho enquanto olhava nos olhos lacrimosos de minha mãe. Ela prosseguiu, com a voz levemente embargada:
- Sua prima Roseli, que morreu aos cinco anos. Você provavelmente só a conhece por fotos, e é natural, você era muito pequena quando ela..enfim... Você tinha um ano e meio enquanto ela tinha essa idade, e é até reconfortante que você não se lembre de nada. O que você sabe pela história e pelas fotos, é que ela morreu, exatamente nessa época.

Minha mão começou a suar, ainda que envolvida pelos dedos enrugados e cheios de anéis de minha mãe. Não me preocupei em esconder o nervosismo, ainda que isso tornasse as coisas mais difíceis para ela.
- Roseli era, na verdade, sua irmã mais velha.
Mamãe engoliu em seco e prosseguiu, com dificuldade.
- Ela morreu enquanto você era muito pequena e de um modo muito trágico, então não quis manchar sua alegre infância com esse episódio.. aceito ser criticada por isso.. fui muito criticada àquela época e aceitarei isso hoje de você, eu só.. não consegui me ver maculando sua inocência infantil com uma história tão pesada como essa.

Não afrouxei minha mão, agora molhada, da dela. Ela parecia corresponder ao aperto, em um gesto de aparente solidariedade. Minha voz saiu rouca quando perguntei:
- Mas a Roseli foi.. assassinada.. a facadas.. foi o que me contaram desde a minha adolescência..

A boca de mamãe agora se retorcia em um medonho e trêmulo S horizontal. Ela respirou fundo e falou assustadoramente rápido, como que se livrando das palavras há muito tempo engasgadas:
- Assassinada. Pelo seu verdadeiro pai, que suspeitava que Roseli fosse fruto de uma traição minha. Nunca foi verdade. O homem que te criou é seu verdadeiro pai, não de sangue, mas de coração. Sua irmã foi cremada, e...

Nesse instante, interrompendo o discurso de minha mãe, a caixa preta caiu com um baque surdo no chão, por ter sido mal colocada na prateleira. Lancei um olhar aterrorizado ao objeto, ao compreender que se tratava da urna das cinzas de minha irmã. Todas as peças se encaixavam agora, na mudança mais bizarra de toda a minha vida.
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continuação

sexta-feira, 13 de agosto de 2010


Então.Como estava dizendo, peguei a caixa, pesadíssima.Tinha três cadeados, dois de senha e um com entrada muito estranha, como se fosse para aquelas chaves de ferro antigas, que fazem "creck!" ao serem usadas.Impossível abrir.
Mas por que papai e mamãe iam querer largar essa caixa pra trás?Será que era algum esquecimento imprevisível?Virei-a de lado. Além do barulho de cadeados de metal batendo no chão de madeira, ouvi um entranho tilintintar de dentro da caixa.Assustei."Está tudo bem?" Perguntou mamãe.Tá sim,tô despedindo da casa.Que desculpa ridícula.Coitada, deve achar que a filha é maluca.
Notei que, ao mover a caixa de lado, um quê de poeira saiu pelas frestas.Cheguei mais perto, peguei- pareciam cinzas.Sacudi mais um pouco e as cinzas não paravam de sair, o tilintintar ainda mais alto. O chão do closet rapidamente se sujou por completo.
Mamãe me chamou de novo.Bati mihas calças para disfarçar as pistas, fui atendê-la.Perguntou-me se os quartos estavam livres mesmo.Não respondi; alisou meus cabelos e disse : "Você não vai criar chifre na cabeça de cavalo, né filha?Mudança é assim mesmo: a gente lembra do que nos é importante e o resto fica na casa, com um pouco de nós que deixamos aqui.Não tente levar todas as suas vivências neste lugar, o que importa são as lembranças e os aprendizados que cultivamos."
Deixou a pista perfeita: tem algo que ela não quer ver naquela caixa, aliás, que não quer que ninguém veja.Preciso voltar pra lá sem ela perceber, que diabos de segredo minha mãe tem guardado?
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Caixa preta

terça-feira, 10 de agosto de 2010


Moro nessa mesma casa há trinta e nove anos, mudei quando tinha apenas seis. Quando eu era criança, ela tinha apenas um andar, muros baixos, garagem pequena, quintal repleto de árvores e plantas. O tempo foi passando e, lentamente, a vegetação ia sendo levada. Eu crescia, os portões e o espaço para os carros também. Aqui passei os melhores momentos da minha vida, tive uma infância rica de diversão. Na adolescência foi construída a piscina. Como sou filha única, subiram mais um andar quando casei. Morei com meu marido e meu filho aqui nos últimos e incríveis doze anos. Nesse meio tempo construímos um escritório, uma sala de jogos, implantamos um sistema de segurança e fizemos a área da churrasqueira. Vimos os vizinhos partirem, os novos chegarem, as casas antigas vendidas e suas substituições verticais. Todas as mudanças nunca pareciam chegar perto. Era a nossa vez.
Arrumando, empacotando, empilhando, guardando, tirando, quebrando, limpando, colocando, descendo, subindo, ligando, avisando, pedindo, despedindo. Tudo pronto, só nos resta o espaço vazio, as histórias diversas. "Ô Lara, olha se não ficou nada aí e leva a chave para a mobiliária que eu vou descendo com o caminhão!" Algumas lágrimas rolaram naturalmente. No quarto do Joãozinho nada, nem no meu. O escritório ainda tinha alguns papéis: completamente dispensáveis. Olhei pela cozinha, passei pela sala: nada. Cheguei no quarto dos meus pais, já tinham deixado claro que não precisava de revisão, resolvi conferir, afinal, estão quase na sétima casa. No chão do quarto nem do banheiro nem poeira. Estava de saída e, para garantir, os armários. No alto do armário do papai notei uma caixa preta fixada no canto direito. Desconhecia a existencia desse compartimento, levada pela curiosidade peguei um alicate e consegui desprender a caixa. Caiu como um fruto madur. Para minha supresa ela era absurdamente pesada.
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Sem limites

sábado, 7 de agosto de 2010


Sabe, existem vários lugares bacanas para jovens se reunirem. Isso é mesmo uma afirmação, porque dá pra citar aqui a própria escola, o grupinho da Igreja, o cinema, ou até a praça da Savassi. O que sempre me incomodou foi a restrição que esses grupinhos apresentam: O pessoal da Igreja cultiva um tipo de estereótipo; na escola, só se reúne quem é parecido com os outros; pro cinema, só vão seus amiguinhos; na praça da Savassi, só se reúne quem segue determinada ideologia. Pois é, é essa a realidade adolescente.. Se você não se encaixa em nenhum grupinho, sua vida social é, pra não dizer pior, bem pequenininha.

E é aí que vêm as outras opções.. de lugares que não divulgam nenhuma ideologia, que não impõem nenhuma restrição, nada mesmo. Esses lugares só têm gente receptiva e um ambiente bacana para se fazer o que mais gosta: encontrar com os amigos e aprender uma dança muito bacana. Estou falando de um forró.

É claro que vai ter gente que acha a música baranga, que aprender forró é coisa de velho descalço com a unha do dedão do pé amarela, que o lugar é cheio de panelinha e todo mundo dança igual. Normal. O que as pessoas são relutantes em ver é a incrível oportunidade que elas têm nas mãos..
A dança liberta, a dança motiva, a dança não te coloca nenhum limite. Dançando, você pode ser o que você quiser. Dançando, você não terá nenhuma restrição. É por isso que vários jovens escolhem esse lugar para se reunirem: Pela paixão por dançar.
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Nem mesmo eu

sexta-feira, 6 de agosto de 2010


que usava coturno e correntes, gostava de death metal, tive cabelo cor de laranja,uva, kiwi e maçã.Eu que achava o estudo a coisa mais importante do mundo,  preferia ficar em casa, lendo um livro, conversando com amigos,via um tanto de gente dançando junto e achava aquilo um mico.Eu que pensava ser tudo só pegação, eu que achava o som da sanfona um lixo, eu que nunca tive nada a ver com música.Nem mesmo eu que sempre fui campeã de esportes e não via sentido na dança, eu que achava que o escotismo era a única atividade que me deixaria feliz,eu que amo axé e funk, eu que sento na última carteira da sala,eu nerd sem ritmo algum,eu que trabalho 8 horas por dia, eu apaixonada por medicina,eu que acredito em energia.eu católica de todas as misssas, eu que adoro fazer palhaçada,eu que suo demais, eu que tinha vergonha de encostar em alguém e derrubar todo mundo, como dominó. eu que não dançava em público, eu que amo aparecer, eu que adoro português, eu que não sei bem escrever,eu que namoro sério, eu vida loka sem pur centu,eu que não bebo, eu que bebo até perder os eixos,eu que adoro uma roupa cara, eu que ando igual a uma mendiga, eu que tenho preguiça de tudo, eu modelo, eu pilota, eu cantora, eu atriz, eu estudante, eu engenheira, eu professora, eu atôa, eu farmacêutica,eu técnica, eu militante, eu alegre, eu diferente, eu séria.Nem mesmo eu consigo não gostar de forró.

por isso que eu adoro aquele lugar :)
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Sofrências juninas e o sagrado.

segunda-feira, 2 de agosto de 2010


Vou contar um caso... O caso lindo do primeiro beijo do meu avô com a minha avó... Vou te situar: Era festa Junina em Jequitinhonha... Provavelmente o leitor não conhece como é. Mas festa junina é um trem bem típico por lá. Cada casa tem decoração própria... As famílias se juntam inteiras. Gente de tudo quanto é cidade e tudo mais. Os meninos ficam correndo pra lá e pra cá, com traques, garrafões e buscapés... Algo inesquecível. É lindo de ver as fumacinhas subindo da fogueira de cada casa... Só de lembrar, dá vontade de que o ano passe rápido. Mas... Pra deixar o caso mais interessante... Vou contá-lo nas palavras do meu avô.

Eu estava a festa inteira olhando pra ela... Um vestido bonito de Deus... Nunca que Lia Tava tão formosa quanto naquele dia, Moço... Coração em disparada, tentei ir pra chamar pruma dançazinha umas duas vez. Mas acabei fingindo que não e indo pro banheiro que era mais ou menos no caminho, num sabe? Pois então. Fiquei nessa de chover e num molhar umas 2 horas.

Foi chegando umas onze e meia... Tinha que chamar a moça logo, senão outro chamava. Sem contar que os rito dos santo (fogueira e tudo mais...) começavam meia noite... Ou era antes, ou era muito tarde... Chamei, forrozeamo uma mais animadinha, proseamo no modo de durante a dança, num sabe? A conversa desembolou e a música ficou mais lentinha... Foi aí que tudo começou:

Do que eu senti na hora, meu coração se almbra até hoje... Na medida em que eu me aproxegava de Lia, a fogueira dos santos começava a acender... Pra modo de ela tá bem acesa quando começasse os rito... E dava pra ver que meu peito e o dela esquentavam junto do fogo santo de Junho. A dança colava a gente e era que como uma sementezinha de flor que brotava quente no peito, num sabe? Sem contar a cor de Lia... Que era muito mais bela iluminada pelo fogo. Num tem nem comparação.

O Fogo foi crescendo... Quer dizer, eu ia percebendo que ia chegando a hora dos rito... Mas, vendo a fogueira, eu comecei a entrar mais na coisa da dança. Meus pés começavam a esquentar do chão quente de fogueira... O perfume da moça se misturava com o cheiro de brasa, incenso e rastapé... eu quase num respirava... O cheiro era tão envolvente que eu nem via mais a quantas andava o rito...

E foi nessa hora que eu fiquei mais doido... a dança tava muito quente... O fogo e o cheiro bão que vinha e parecia que me abraçava assim, num sabe? Eu ouvia de longe um sino... E eu pensava, aqui comigo, que era um anjo tocando pra modo de eu e Lia dançar mais um tiquim... E nessa hora, mesmo do lado da fogueira, nem eu nem Lia sabia onde tava, que horas era, num cabia nem de alembrar do rito nessa hora... Era tudo quanto é sentido do homem dominado, o calor e o corpo de Lia pegando o tato, o cheiro bão de tudo misturado, o som do sino. Faltava só um sabor pra modo de assossegar o paladar que já gritava... Foi aí que a gente se beijou.

E eu sentia que a boca dela era doce... Mas doce... doce doce doce... Como mel! E num se acabava não, sô... Era um beijo que eu e ela beijava sem medo! Esquecido de tudo do lado de fora... O gosto era bom!... Acho que pra modo de provar o amor dos dois, num sabe? Só depois que nós fomos ver que fizemo tudo no meio do rito... Sob os olhos de Maria... Na casa dela... Na casa dela! A mãe do Senhor...
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