Me desculpem a falta e o atraso... Para compensar... farei uma história que acumule os dois temas. (e ela tem o tamanho de duas histórias) Ei-la:Seu José estava muito triste... havia apenas dois dias que sua esposa havia morrido... Mas as crianças desconhecem os momentos de reclusão do homem. Pedrinho chegou mais perto e foi falando sem cerimônia:
-Ô vô, o senhor me conta uma história dessas bem legais?José, muito triste... contou a história que lhe veio na cabeça. Ele nunca a havia contado... Ele nem sequer se lembrava dela até aquele momento... Parece que a história queria mesmo era ser contada ali... ele então começa.
Te contarei a história de um santo...
Um santo, vovô?É... mas fica em silêncio pra eu poder contar direito... se você se comportar, te deixo ver meu revolver (José era um profundo conhecedor da psicologia infantil... Pedrinho só fez um sinal com sua mão... Como se fechasse um ziper na boca.)
Ele ainda não foi reconhecido pela igreja... Quer dizer, eu acho que ela nem sabe da história dele. Sem contar que todo dia já tem santo... Não ia sobrar espaço pra ele na folhinha. Mas o fato é que é santo! A vida dele já começa diferente... Porque ele não tem pai nem mãe... Todos acreditam que ele nasceu de uma virgem, como alguns outros santos, mas que sua mãe teve medo de enfrentar o mundo... Quer dizer, ninguém vai acreditar que ela teve um filho virgem... hehehe
Por que, vovô? O que que é virgem?O que eu te disse sobre meu revolver?... (outro ziper... Aquele deveria estar com defeito) Enfim, Marcos foi encontrado num banco de parque por uma menina de dois anos... Que logo foi correr para a mãe, contar do "neném que ela viu ali" A mãe viu logo a gravidade da situação e acolheu o bebê na sua casa.
O menino cresceu... Mas cresceu sozinho... Ele nunca falava muito com sua familia nova, nem conversava muito com sua mãe... Nunca haviam dito nada a ele, mas ele parecia saber ter vindo de fora. Marcos não passava de um mero observador na casa. Na casa é até estranho de falar... Porque ele raramente estava nela... Ele era aficcionado por barcos, ficava no porto o dia inteiro, em silêncio... os vendo chegar e sair. Os pescadores, marinheiros e mercadores até o conheciam...
Um, desse último grupo, chamado Davi, se encantou com o menino. Praticamente o adotou... Marcos dormia em casa, mas passava o dia inteiro com Davi, aprendendo sobre os barcos e, também, a fazer o produto que o comerciante fazia. Sabe aqueles barquinhos dentro da garrafa? Pois bem... Era isso. Marcos cresceu fazendo isso.
Vovô... (disse o netinho, meio tímido... mas a curiosidade da história venceu a do revolver)O que é, Pedrinho?
E os milagres? Santo que é santo tem que fazer milagre!São dois... Eu ia contar o primeiro agora...
Onde eu estava? Ah! Marcos cresceu fazendo aqueles barquinhos... Ficou muito melhor que Davi, inclusive... O menino fazia cada caravela dentro da garrafa, com cada detalhe... Parecia ter nascido pra manejar a pinça. Quando estavam fazendo sucesso com os produtos, Davi e seu pupilo tinham que pegar madeira todos os dias... E em um desses dias que aconteceu o primeiro milagre.
Conta, conta!!...
(terceiro ziper)
Estavam os dois, na floresta, Marcos tinha uns onze anos. Era difícil pegar madeira, pois tinha que ser boa, e de uma árvore que não sentisse falta de uns galhos... Quanto mais sucesso eles faziam, de mais madeira precisavam, e mais difícil ficava de deixar todas as árvores vivas... O engraçado é que Davi nunca havia feito isso. Quem ensinou isso a ele foi Marcos... Eu acho que era a frase que ele mais falava, quando raramente abria a boca: "Tudo que é vivo deve ser respeitado...". Enfim... Estavam lá, cortando os galhos... Houve um erro de cálculo do mercador e um cajueiro enorme estava pra cair sobre o homem. O menino arregalou um olho e gritou!: "aaaaaaaaaaahhhh".
Outra árvore, um ipê, Próximo aos dois, começou a cair junto mas, agora, na direção do menino... Ia ser trágico... Se as duas árvores não se chocassem e nenhuma delas caiu sobre nenhum deles. Não dá pra entender como um Ipê fininho tirou o tronco grosso daquele cajueiro da rota que ele tinha de queda... Nem porque havia um Ipê naquele clima. Por esses desafios a física e pela coincidência tão acertada, esse é considerado o primeiro milagre do menino Marcos.
Uau! Que doooooido!É mesmo... Muito "uau"... O acontecimento foi tão importante na vida deles, que cada um fez um barco com a árvore que o salvou, e ficou com eles... Para proteção. Marcos disse outra frase legal aqui... "Eu acho muito egoísta a árvore salvar minha vida, para eu ganhar algo pra me proteger... Tomara que esse barquinho proteja as outras pessoas... que não se protegem sozinhas..."
Alguns anos depois, o garoto, agora com 28 anos, decidiu morar com Davi, pois ele já estava velho... E precisava de ajuda. Não adiantou... O barco de cajueiro não foi tão eficiente e Davi acabou morrendo de tuberculose... Discute-se a idéia de como alguém que mora com um tuberculoso não pega a doença na época em que eles viviam... Se esse é um milagre ou não... Mas eu acredito que não. Marcos sempre foi espectador da vida, as vezes ele nunca comeu com alguém, nunca dormiu com alguém, nunca agiu na vida de ninguém assim... Sem contar que as pessoas boas são deixadas de lado. Marcos não tinha amigos, pois não era lucrativo.
O que que é lucrativo, vovô?Uma coisa que te ajuda... Te dá recompensa... Entendeu?
Aham... (o ziper se fecha novamente...)
Marcos ficou totalmente sozinho quando Davi se foi... andava pela areia da praia, pescava o que comia e fazia barcos o dia inteiro... Não comprava nada, não vendia nada, só vivia... Os pescadores pareciam falar que o menino tava só esperando chegar a hora dele fazer alguma coisa... Sabe? como se tivesse data marcada, como você espera pra sua prova... Como Marcos não tinha nada pra fazer, não fazia nada. Até que esse dia chegou.
Marcos acordou cedo... Foi puxar a rede que tinha preparado na noite anterior. Pegou os peixes que precisava pra comer no dia, e soltou o resto... Tudo como fazia todo dia. Voltou para casa, comeu e, misteriosamente, foi andar pela cidade ao invés de pela areia. Andando a esmo, olhando para os lados, viu uma coisa e correu para ajudar. Uma moça... Sendo assaltada por dois homens. Eles queriam abusar dela...
Como assim?Bico calado... Marcos esqueceu-se dos seus interesses, esqueceu-se do ego que tem em todo homem e, como um santo, foi ajudar uma completa estranha... Só santos fazem esse tipo de coisa... Dizem alguns contadores que ele veio brilhando na direção dos assaltantes. Eu acho que não. Porque santos não ficam se mostrando, sabe? Você deve dar esmola com uma mão
Sem deixar a outra saber o que aconteceu... Eu escuto isso na catequese o tempo todo... é um saco!Mas é verdade... Enfim, brilhando ou não, Marcos foi na direção dos homens, com uma cara mista de bondade, calma e decepção... O fato é que os homens ficaram com muito medo daquilo tudo, não se sabe bem porque... O medo surgiu neles. Quando pessoas normais ficam com medo, saem correndo, ficam paralisadas... Mas, no caso de pessoas com armas...
Eles morreram de medo e dispararam no peito de Marcos, só não foram várias vezes porque as armas da época tinham que ser recarregadas a mão... O menino deu o segundo grito de sua vida "aaaaaaaaaaahhhh"...
Quando isso aconteceu, a garrafa do barco de ipê caiu de seu bolso entre a moça e os assaltantes, quebrou-se e o barco lá de dentro começou a crescer crescer e crescer... Até ficar do tamanho de uma caravela de verdade... Que impedia os homens de alcançar a moça... Ela não se lembrou de Marcos e correu apavorada. Os assaltantes também sairam correndo de medo. O barco sumiu misteriosamente depois de algum tempo, mas o mais estranho era o que estava escrito no barco.
"O ipê não fica com suas flores
não cheira suas flores
não consegue nem enxergar as suas flores
Mesmo roxas, amarelas, rosas ou, se houvessem, transparentes
ele as entrega de bom grado,
Traz e mantém a vida no ambiente
cada um com sua dor
cada um com sua cor
o que devemos fazer?
Florir!"
Essa era a última mensagem de São Marcos?
Não... essa era mensagem do Ipê... Marcos pensava um pouquinho diferente... pouco abaixo desse escrito, com uma grafia diferente, lia-se:
Ensinamentos lindos, do 'reino dos céus'
Mas eu observei e vi na Terra
ensinamentos lindos não devem ser usados ao léu...
Ensinamentos que não se entram na mente do réu
e só valem alguma coisa mesmo é no reino dos céus
Um ipê morre quando cai,
e ninguém lembra dele enquanto não tem flores
O que que esses poemas querem dizer, vovô?
Que lugar de santo não é aqui, Pedrinho... não é aqui... Vamos lá... Ver meu revolver
O poema do Ipê não é bem assim... mas o texto é mais ou menos esse... Eu tinha esse poema e queria colocá-lo na íntegra... Eu o vi pela primeira vez na missa de 7º dia de uma senhora lá da minha paróquia... Mas eu não encontrei o texto, nem na internet...