Coma amarelo com bolinhas roxas

terça-feira, 8 de junho de 2010


Volta e meia, pensamentos como "Imagina o professor de Gramática bebado... "O solteirão de Inglês tem vida?" "Como será que é minha professora de Física com os amigos?" ressoam em nossa mente desocupada de aluno do fundamental. Na maioria das vezes não nos damos o trabalho de prolongar o assunto, quando o fazemos, a única finalidade é a zombaria com os colegas de classe. Normalmente parte das historinhas se tornam pequenos boatos que logo são substituidos e, consequentemente, esquecidos.
Até hoje, conheci apenas um professor que fugiu desse padrão. Abílio era um homem altíssimo, magro, com uma barba lisa, longa e rala, cabelos pretos, beirando a calvice, pele clara e olhos estupidamente azuis. Usava sempre uma calça absurdamente estampada e uma blusa branca um pouco transparnte, permitindo a visão de uma espéce de mandala desenhada nas costas. Lecionava sentado de costas para a turma, escrevia tudo ao contrário, só passava a matéria se o o desenho do quadro lembrasse um triangulo, ocilava a voz costantemente e conduzia o rendimento da aula de acordo com o clima.
Era apenas um substituto, o que facilitou a propagação de histórias. Nas primeiras semanas a criatividade reinava, Abílio ia desde fugitivo da prisão até agente do FBI. Como nossa escola era muito monótona e o professor ultrapassava o limite do bizarro, nos acostumamos a inventar histórias novas toda semana.
Depois de semanas de chuva, tivemos uma quinta ensolarada, tempo pefeito para uma redação avaliativa. Resolvi, então, abusar da sorte: "A vida secreta de Abíio". Descrevi a vida de um alienigena que veio à Terra para desvendar os mistérios da Soja, único produto terrestre que os Gimusquinovanios desconheciam. Contei como ele havia possuído um corpo humano, desaparecido com Genália -professora do 8o ano- só para pegar seu emprego, como andavam suas pesquisas e ainda inventei uma opiniao sobre os terráquios. Tudo isso no formato de um diário de viagem.
No dia seguinte, quando cheguei ao colégio, estava tudo escuro, vazio e frio, cenário perfeito para eu pensar que estava sonhando e seguir até a sala do esquisito. Abri a porta e o encontrei com minha redação na mão. "Acha certo, Murilo, invadir a privacidade dos outros?" Foi a última frase que ouvi, depois disso acordei com dor de cabeça, com o corpo vermelho, dolorido e ardendo muito, estava morrendo de sede e careca. Olhei ao redor e vi o quarto que me abrigou nestes últimos 23 anos: paredes amarelas com bolinhas roxas, um computador turquesa e uma cama amarela com bolinhas roxas. Não espero mais estar sonhando, mas se eu estiver em coma, quem sabe...