Cuidado, isso passa por osmose!

quinta-feira, 24 de junho de 2010


Epaminondas, Luíz Epaminondas era seu nome. Sempre ocupava aquele mesmo lugar da fonte na hora da sopa, fazia isso porque era mais cômodo. Não que fosse um lugar confortável, na verdade tinha que ficar empuleirado nas grades de proteção daquele que era um dos principais monumentos da cidade. Era também um dos seus lugares prediletos no mundo, não que já tivesse saido do bairro, mas a razão pelo seu apresso era que sua família fazia parte da história daquele lugar.
- Não me diga, sua família era tão importante assim? E você aqui, tomando sopa em praça pública...
- É fácil pra você dizer, você é uma mosca. Moscas não são forçadas a fazer tantas escolhas. Escolhas dão trabalho.

Por que uma mosca? Moscas e sopas andam juntas, assim dizia a velha canção.

- Vamos, continue a história. Você falava sobre a fonte.
- Sem pressa, minha amiga, porque tanto desespero vai esgotar as suas energias. Quem mandou fazer essa fonte foi meu bisavô Epaminondas. Sim, foi por causa dele que ganhei esse nome. Minha tataravó, filha de fazendeiro desocupada de tudo nessa vida, era apaixonada por história antiga. Colocou esse nome "exótico" em homenagem a um general que transformou Tebas em uma potência grega superior a Esparta. Por que isso era importante pra ela? Onde fica a Grécia? Nunca me explicaram. Eu não me importo.
- E não era a elite pensante de Rio Acima! Naquela época pouca gente aqui devia saber que o mundo é redondo.
- Verdade. Mas é fato que meu bisavô herdou muitas cabeças de gado, uma biblioteca cheia de livros carunchentos e gansos. Já te falei o quanto detesto gansos?
- E o que aconteceu com a fazenda?
- Uai, passou pro meu avô que passou pro meu pai.
- Ele passou pra você?
- Meu pai era um homem de visão, agitado demais coitado, dava desânimo só de ver. Que Deus o tenha em paz deitado em uma rede na beira da praia do paraíso. Dizia que tranformaria aquelas vacas anêmicas nas maiores produtoras de leite da região. Mas fez um inferno, com perdão da palavra, pra pegar um empréstimo no banco. Queria, porque queria, "despertar meu espírito de pecuarista de sucesso".
- Ahh, mas é difícil de acreditar que você algum dia teve espírito de sucesso em alguma coisa. Essa história está ficando longa, não!
- Muito obrigado pela parte que me toca, mas como ia dizendo... Tive que falar que aquela vida de roça não era pra mim. Tinha ódio do galo infeliz que começava a gritar quando ainda era noite, ainda tinha aquela conversa de ter que ficar de olho nos peões, subir e descer de cavalo, correr de ganso. Ai, credo! Isso não era vida de gente como eu.
- Gente desocupada ou preguiçosa?
- Qual o seu problema! Você vem aqui, pousa na minha sopa, ainda assim eu abro meu coração e você me trata desse jeito!
- Perdão, amigo. Vou ficar calado e evitar a fadiga.
- Pois bem, disse que meu lugar era a cidade com toda sua praticidade. Meu pai levou a coisa a sério e me mandou pra capital estudar números. Ai, mas que ideia fraca! Minha cabeça doi só de pensar. Disse que sentia muita falta dele e de minha mãezinha. Ela ficou tão sensibilizada que me trouxe de volta pra grande Rio Acima. Fiquei aliviado! Esse trem de estudo dá muito trabalho.
- E o que aconteceu com a fazenda, a fonte o dinheiro?
- A fazenda já era. Meu pai queria ser prefeito e resolveu dar uma fonte de presente pra cidade. Falou que incentivaria o turismo, o desenvolvimento.
- E foi prefeito?
- Nada, o mais perto da prefeitura que ele chegou foi quando a fazenda foi leiluada pra pagar o empréstimo e a casa virou o atual prédio da prefeitura.
- Nossa, aquela casa já foi sua?
- É... Triste, não! Meu pai era um homem de visão, mas tinha o fígado prejudicado. Quando eu voltei ele me passou os negócios. Moço, esse trem de números dá muito trabalho. Fato é que a fazenda não existe mais, a fonte só atraiu pombos e dinheiro... Ai, se não desse tanto trabalho...
- Bateu um cansaço com esse caso triste...

[SPLOCK]__ A mosca é esmagada por uma colher por não se dar o trabalho de desviar o ataque.

- Seu Luíz, o senhor não viu a mosca que estava na sua sopa, não!

Moral: A preguiça é contagiante e ela mata.