Querido Diário

quarta-feira, 5 de maio de 2010


Querido diário, faz muito tempo que não conversamos, eu sei. Sabe como é, com o advento da glogalização as canetas de pena e os pergaminhos perfumados foram deixados de lado. Nosso ritmo de vida é outro, prefirimos pagar alguém que faça as nossas anotações. Costumava recorrer aos seus serviços nos momentos mais dramáticos da minha infância feliz; era o ursinho "Cheiro" que no alge de sua maldade se escondia no Mundo Perdido do Beleléu, a coleguinha pop que nunca me chamou pra brincar de "Patricinha" porque eu insistia em usa seu baton como giz de cera, ou quando a minha cadela "Tiotiojoe" comeu os meus coelhos brancos. É, faz tempo...



Um pouco mais do que oito primaveras completas, desisti de criar coelhos. Desejo compartilhar um fato (não dramático, mas pseudo traumático) que confirma a minha crença na capacidade de transformação das pessoas. Otimista, ingênuo? Não, meu caro, é fato!



Tudo se passou em uma noite de sábado primaveril. A temperatura era agradável, o céu estrelado, de longe se ouvia "Sweet Home Alabama", o tilintar de canecas e gargalhadas entortadas pelo excesso de álccol. Era o mais tradicional dos bares daquela ilha charmosa e eu havia me preparado para viver uma cena de filme. Escolhi um vestido bonito, mas confortável o suficiente pra que eu atravessasse a madrugada dançando rock, bebendo Grey Goose e Bud Light; valorizei ao máximo minha latinidade; coloquei minha ID na bolsa e misturei-me às figuras "exóticas" fantasiadas de Hulk e Mulher Maravilha. Quando já procurava um cantinho na balcão sou surpreendida por um negão de dois metros de sutaque sulista pesado. Ele não parecia feliz, pediu meus documentos e me fez igualmente infeliz. Eu era jovem demais para estar alí, devia me retirar! "Como assim? Tenho vinte anos completos!" disse no desespero. "Exatamente, daqui um ano você volta" ele disse. Não existia jeitinho brasileiro que o convencesse do contrário. Naquele momento me transformei em um abacaxi desgraçado, com longos cílios negros e echarpe cor de mel. A única juvenil do grupo! O abacaxi do grupo. Agora, de volta aos meus tempos de juninha, desenterro você, caríssimo diário, da minha caixa de lembranças para contar mais umas das minhas desventuras.