Maleta amarela

terça-feira, 4 de maio de 2010


Imagine: você é uma possoa politicamente e moralmente correta e tem um filho de 2 anos, por isso os ditos “palavrões” não fazem parte do seu vocabulário. Agora, hoje é domingo, o relógio marca 21:37, hora de começar a se preparar para dormir. Você, como a pessoa orgazanizada que é, repassa seus afazeres do dia que passou, confere: tudo foi feito; repassa as tarefas para o dia seguinte, confere: está tudo encaminhado. Pedrinho, seu filho, não está mais agitado como há uma hora atrás, você o pega no colo, coloca-o na cama, aguarda precisos 7 minutos após jurar firmemente que o armário só guarda brinquedos, e o observa adormecer. Já são 21: 57, você retorna calmamente até sua cama, beija a pessoa que dorme ao seu lado e inicia seu descanso.
Nota-se que você, ao começar a ler esse texto, adotou uma rotina de vida extremamente chata e controlada. Assuma o personagem, encare isso como um roteiro a ser seguido. Sua vida é pacata, demonstrações de afeto são raras, e surpresas, mais raras ainda, todos os passos pertencem a um cronograma que foi minuciosamente revisado. A semana está quase terminando, você confere os dias anteriores: nenhuma pendência; confere o dia seguinte: está tudo em andamento e a programação não lhe remete nenhuma emoção especial.
Dia: 17/11/2017 – 3a Sexta-feira do mês – Sexta do Xadrez
-Casa: Banhar Stella*(bulldog da família), passar pomada nas assaduras, dar os remédios para a sarna demodécica e tratar os ferimentos causados pela mesma. Preparar lasanha de aspargos.
-Pedrinho: Ajudar no trabalho sobre animais e continuar a lição de leitura.
-Trabalho: Entregar relatório anual de vendas (cuidado, cópia única), entregar para Anigrey os papéis da festa de 100 anos da empresa, assinar os contratos do novo sócio e enviá-lo para a diretoria e anexar as fotos da campanha reestruturada. (Maleta amarela )
-Xadrez: reunir as amigas da mamãe para a semi-final do torneio de xadrez.
Chega o dia 17. Como de costume, você acorda, prepara a mesa do café, lava a louça do dia anterior, faz o lanche do Pedrinho, toma banho, se veste para o trabalho, pega a maleta marrom e se dirige para o serviço.7:00.
Ao entrar no prédio, encontra Anigrey, que já o aguardava. Com uma bela expressão de porta você entrega a maleta marrom e continua seu caminho. Ela abre e encontra vários desenhos lindos do seu filho, fica encantada, mas, infelizmente, eles não asseguram seu emprego. Demora para que você note que a moça não o está seguindo com diversas informações desesperadas. Somente qualdo olha pra tras você vê o cenário caótico: o chefe saindo do elevador, os desenhos do seu filho no lugar dos documentos, o zíper da sua calça aberto, sua blusa ao avesso, os chinelos de praia nos seus pés e as iscas de peixe no lugar de suas chaves, você não aguenta, não está sonhando! Sua mente é tomada. Um turbilhão de palavras começam a surgir, sua face está queimando, nada faz sentido. Tenta encontrar sua agenda, a outra maleta, um buraco, um travesseiro, qualquer coisa que o conforte e o livre dos pensamentos. Nada adianta, alguma dessas palavras vai ter que sair! Seu coração não cabe mais em seu peito, há tempos não era pego de surpresa. Tem que selecionar rapidamente a mais aceitável delas: “desgraçado”. Você quer muito gritar, sente ódio de si mesmo, DESGRAÇADO, não, ainda não pode sair. Passa os olhos rapidamente: o chefe :“chefe DESGRAÇADO”, logo veta; Anigrey: “Anigrey DESGRAÇADO”, ainda é grosseiro, as frutas... não! Tem que ter efeito, oxítona... uma palavra oxítona – continua a observar a mesa … uva, banana, laranja, pêra, abacaxi.. de repente sai o tão esperado grito “ABACAXI DESGRAÇADO!” Todos o observam surpresos, você abandona o emprego, volta pra casa, cancela o xadrez e decide que a partir de hoje será espontâneo! Procura uma caneta colorida, um pacote de guardanapos e começa a anotar: “Atividades espontaneas para um desempregado:”.